'Praia' em Feira de Santana? Criação transformou paisagem local na década de 1960 e impactou comunidade quilombola
18/09/2025
(Foto: Reprodução) Conheça a história da 'praia artificial' de Feira de Santana
Mesmo longe do mar, Feira de Santana conseguiu sua própria versão de uma praia. Na década de 1960, a segunda maior cidade da Bahia ganhou uma "praia artificial", que transformou, ainda que por pouco tempo, a paisagem local.
O g1 relembra essa história nesta quinta-feira (18), data em que o município completa 192 anos.
A iniciativa surgiu durante a gestão do prefeito Joselito Falcão de Amorim (UDN), que encontrou uma solução criativa para a escassez de espaços recreativos urbanos: a Lagoa de São José das Itapororocas, localizada no distrito de Maria Quitéria, foi sanitizada e adaptada. Com isso, o espaço virou ponto de lazer popular, com direito a areia branca e presença de muitos banhistas.
A areia era transportada por caminhões e, ao redor da lagoa, foram plantados coqueiros para criar uma atmosfera praiana. Além disso, quiosques foram construídos para garantir a comercialização de produtos aos visitantes.
O projeto, que mais tarde ficaria conhecido como a “Praia de São José”, rapidamente se tornou um destino popular para os feirenses e moradores de cidades vizinhas. A cada fim de semana, caravanas chegavam de carro, bicicleta, cavalo ou até mesmo a pé. O local serviu como ponto de encontro, com música, barracas de comida e um ambiente que atraía aqueles que buscavam um lazer diferente no interior.
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Contudo, como muitas inovações da época, a praia artificial de Feira de Santana não teve vida longa. O crescente número de visitantes trouxe consigo problemas, incluindo acidentes tanto nas águas da lagoa quanto nas estradas de acesso ao local. A areia, que foi motivo de atração, começou a sumir, e as águas da lagoa secaram gradualmente com os anos.
Lagoa Grande, no distrito de Maria Quitéria em Feira de Santana em 2002
Google Earth
Atualmente, mais de 50 anos depois, a memória da praia da Princesa do Sertão permanece viva apenas na lembrança das pessoas mais velhas, que costumam visitar a área ou foram impactados pela estrutura.
Memórias da ‘Praia de São José’
Para quem viveu a experiência de frequentar a Praia de São José na infância, como o fotógrafo e professor José Ângelo Leite Pinto, de 66 anos, a lembrança de um pedaço de litoral ainda é marcante. Ao g1, ele contou que seu pai o levava até o local, ainda criança, para curtir a novidade.
“Foi um assunto fantástico na cidade, uma novidade. A repercussão foi muito grande, e iam pessoas de toda a região, de distritos, todo mundo queria ir curtir aquele novo espaço de lazer”, conta.
Lagoa Grande, no distrito de Maria Quitéria em Feira de Santana
Reprodução/ TV Olhos D'Água
O acesso ao local, na época, era feito por estrada de chão, e a viagem até o distrito de São José das Itapororocas, se tornava uma aventura, com direito a vistas históricas e o clima rural da região.
“Era uma experiência muito interessante, porque realmente era uma novidade. Aquela imensa lagoa cercada de areia branca, com as pessoas se divertindo”.
Conforme relatou o fotógrafo, a “praia” entrou em decadência com o tempo, marcada por acidentes e a crescente insegurança, até ser esquecida como um ambiente de lazer.
Os impactos na comunidade quilombola
Antes de se tornar ponto turístico, a lagoa situada no território quilombola de Lagoa Grande desempenhava um papel essencial na vida dos seus moradores.
Para a professora e mestre em História Regional e Local, Sandra Cristina Queiroz Pinheiro, a lagoa era, até então, um recurso natural e vital para os habitantes da região.
“Os moradores viviam das águas da lagoa, que eram uma das principais fontes de sustento. Eles pescavam, tomavam banho, lavavam roupas e até coletavam lenha nas imediações. A relação da comunidade com a lagoa era intensa e direta, essencial para a sua sobrevivência”, ressalta.
Moradores da comunidade quilombola foram impactados com lagoa transformada 'praia artificial' em Feira de Santana
Reprodução/ TV Olhos D'Água
Com isso, a transformação da lagoa em "praia artificial" trouxe consequências para a comunidade. A retirada da área de mata ao redor da lagoa — necessária para a criação do espaço de lazer — acarretou grandes prejuízos para os quilombolas.
“O cotidiano da população foi profundamente alterado. A mata que protegia a lagoa foi destruída; os peixes, antiga fonte de sustento, já não estavam mais nas mesas; já não havia água para beber nem para oferecer aos animais. Houve uma desestruturação da organização econômica e social da comunidade”, explicou a professora.
A mudança, conforme Sandra, causou uma desestruturação econômica e social para o grupo. Décadas após o auge da praia artificial, a lagoa está em estado de degradação e a falta de preservação ao longo dos anos a transformou em um símbolo de resistência para os quilombolas.
“A lagoa hoje é uma bandeira de luta para os moradores. Eles buscam o apoio das esferas municipal, estadual e federal para revitalizar o que um dia foi uma fonte vital de recursos naturais”.
Repercussão
Imagens da Lagoa de São José das Itapororocas em 2024
Google Earth
A memória da antiga 'Praia de São José' e seus impactos à população voltaram a ser tema de discussão nas redes sociais, gerando reflexão entre os internautas. A influenciadora digital de Feira de Santana, Manuela Lula, conhecida como Mana Lula, tem sido uma das principais responsáveis por reviver essa história no espaço virtual.
Com 46 mil seguidores, Mana Lula compartilhou vídeos detalhados sobre o assunto, destacando as consequências para a comunidade quilombola local. Disponíveis em seu perfil, os vídeos acumularam mais de 250 mil visualizações, engajando o público e promovendo um debate sobre os reflexos deixados pela obra até hoje.
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